06/03/10
Hoje foi um dia denso. Cenas fortes que fazem a cabeça dar voltas e surgem milhares de questionamentos existenciais, analise de valores, uma verdadeira lição de vida .
Amanheceu chovendo e nos dirigimos a um acampamento de desabrigados onde estão vivendo aproximadamente 800 pessoas em condições precárias ,pobreza extrema ,analfabetismo,fome, acredito que existam poucas coisas mais cruéis neste mundo que ver uma criança chorando de fome.
Eram barracos de lona, pano, pedras e pedaços de pau. Caminhamos entre os barracos ,não haviam colchões nem moveis, tudo era improvisado, as crianças nos observavam, é notável o numero de crianças e com elas muita escabiose , parasitismo,etc. Não existe educação em saúde .Eu trabalhei algum tempo no sertão do nordeste , numa região bastante pobre mas não se compara aquela situação. Vendo isso aqui de perto fica bem claro que no Brasil por muitas dificuldades que tenha a saúde, estamos anos luz no ponto de vista estrutural e funcional , com o nosso SUS que sem duvida é uma grande conquista do povo brasileiro .
Após o atendimento e vacinação, eu e Pedro ficamos em pé no meio do acampamento acredito quase uma hora olhando arredor e conversando sobre a situação daquele povo , a perspectiva de vida daquelas pessoas , analfabetas ,sem trabalho , vitimas sociais e históricas, o futuro daquelas crianças . Lembro das mulheres cozinhando no chão num fogo improvisado com pedaços de graveto , uma criança que lavava roupa num balde cheio de água suja e o complicado era saber que aquela era a casa deles ,o dia-a-dia deles. Lembro-me também que examinei a mama de uma senhora com um tumor já avançado que até aquele momento não havia recebido nenhuma atenção ,tratei de imaginar por alguns segundos frente a senhora aquela condição e a sensação de impotência misturada com uma vontade gritar tomava conta .... Muitos dos detalhes e cenas vistas prefiro guardar para mim, é inútil tratar de explicá-los , pode soar como uma narração dramatizada e longe disso , são fatos que estou vivenciando por isto me reservo a este direito .
No meio da tarde retornamos a nosso acampamento com os sentimentos a flor da pele e fomos ajudar limpar uma cancha de esportes para a atividade que ocorrera amanha domingo ,onde vamos disputar com outros acampamentos um campeonato de futebol e como bons brasileiros temos mais que obrigação de ganhar, senão ,vamos virar piada até o final da missão .
Das varias crianças e jovens haitianas que andam aqui pelo acampamento , um deles é o mais próximo ao nosso grupo , o chamamos de Michael, é um daqueles talentos perdidos , canta rap em Francês , em kreol ,dança parecido ao Michael Jackson.Ele sempre esteve próximo e nunca nos pediu nada , hoje o notamos um pouco mais calado que o comum apesar de ser seu aniversario e quando estávamos no computador após algum tempo ele disse que tinha fome e não tinha nada para comer , um dia tão especial como o que simbolicamente nos tornamos mais velhos e guardar como lembrança fome ,nos partiu o coração. Era hora do jantar e combinamos de dividir um prato de comida e dar o outro a ele. Michael devorou a comida em 1 minuto e sorrindo se sentou no chão e falava em inglês que estava cheio. Preparamos uma mochila onde cada um deu alguma coisa que tinha reservado para comer e cantamos parabéns em inglês e ele sozinho em kreol para que aprendêssemos ,tudo isso em meio a gargalhadas e cumprimentos . Assim tratamos de celebrar o final de dia do aniversario de Michael e deixar o seu dia um pouco mais alegre.
Espaço criado para discussão sobre a integração da America Latina, seus povos, seus problemas, lutas e sonhos.
sexta-feira, 26 de março de 2010
HAITI- diario de bordo 3
05/03/10
Hoje ,sexta-feira, após o trabalho sai para colocar crédito em meu celular com o objetivo de ligar para minha mulher e na volta encontrei o Memo, companheiro Mapuche ,nos sentamos num bar próximo ao acampamento ,tomamos algumas cervejas haitianas e dominicanas -porque ninguém é de ferro -escutando uma boa Bachata e conversando sobre a luta do povo Mapuche no Chile . Agora chove e vou descansar para continuar o combate amanhã.
Hoje ,sexta-feira, após o trabalho sai para colocar crédito em meu celular com o objetivo de ligar para minha mulher e na volta encontrei o Memo, companheiro Mapuche ,nos sentamos num bar próximo ao acampamento ,tomamos algumas cervejas haitianas e dominicanas -porque ninguém é de ferro -escutando uma boa Bachata e conversando sobre a luta do povo Mapuche no Chile . Agora chove e vou descansar para continuar o combate amanhã.
segunda-feira, 15 de março de 2010
HAITI- diario de bordo 2
02/03
Hoje foi um dia impressionante .
Saímos literalmente numa jaula, armada na carroceria de uma caminhonete que nos levou por cerca de 30 minutos pelas ruas da cidade o que já causa uma grande impressão pelo estado de destruição em que se encontra , é impactante a quantidade de escombros que existe , o transito caótico ,a infra estrutura precária, o acumulo de lixo e plásticos nas ruas e esgotos , a miséria da população, a quantidade de crianças ,a super povoação .Também é notável nas calçadas a quantidade de pessoas vendendo produtos quase sempre importados devido a falta de industrias no pais, a impressão que se tem é que a cidade é um grande mercado negro em meio a escombros.
Éramos 3 médicos brasileiros ,1 chileno,2 cubanos ,1 haitiano que ajudava na tradução , e os 2 companheiros de epidemiologia que levavam suas bazucas de fumaça para eliminar vetores. O destino era um acampamento onde se encontravam crianças órfãs . Chegamos ,preparamos os materiais e medicamentos ,tirei algumas fotos do local e antes de iniciar a jornada o Psiquiatra Dr. Francisco ,uma pessoa admirável pela serenidade e inteligência , que tem como função na missão cuidar da saúde mental dos demais profissionais que aqui atuamos ,numa de suas raras saídas a campo -para não colocar em risco sua própria saúde mental- junto com algumas responsáveis pelo orfanato reuniu as crianças para ler um conto em Kreól (dialeto local) e entoarem cantos locais onde todos nos divertimos e nos movemos com a energia do momento. O olhar e o sorriso daquelas crianças era algo muito marcante ,uma mistura de profunda tristeza com a inocência e fragilidade das crianças que nos comoveu profundamente. Mas demos inicio a jornada de trabalho, o calor era muito intenso desde cedo , dentro de uma barraca grande ,branca ,que tinha um cartaz na entrada “doado pela Suíça”, engraçado fazer propaganda do que se doa ,pero Bueno....Em alguns minutos de iniciado o trabalho dezenas de pessoas se amontoavam para receber atendimento. A tradução a cargo da companheira haitiana era insuficiente para os 4 médicos e tínhamos que tratar de comunicarmos com algumas poucas palavras em Kreól que havíamos aprendido ,misturado com algo de francês ,um pouco de mímica , alguns pacientes que arrastavam inglês ou espanhol também facilitava a comunicação.
Já pelo meio dia uma pausa para tomar um copo de suco e algumas bolachas que havíamos trazido do acampamento ,quando sentados na sombra de uma arvore ao nosso lado se encontravam dois homens sentados num colchonete no chão onde dormia uma criança de menos de 1 ano , um deles nos falou algo em espanhol ,imediatamente o convidei para nos ajudar com o idioma ele respondeu que sim e após lancharmos e conversar um pouco o chamei novamente e ele de uma forma um pouco fria me disse que iria depois. Segui o trabalho um pouco decepcionado porque senti que o homem estava arrependido do compromisso , quando para minha surpresa após alguns minutos aparece bem vestido e arrumado , sorridente e disposto a cooperar sem pedir nada em troca. Depois disso pude junto ao novo amigo tradutor agilizar o trabalho e atender praticamente o dobro de pacientes que poderia ter feito estando só .
Ao final o companheiro empolgado queria saber se regressaríamos no dia seguinte mas infelizmente não controlávamos esta informação , pensei em dizer a ele que fosse ao acampamento pela manha para acompanhar nosso grupo mas devido a distancia e a dificuldade com o transporte me dei conta que talvez fosse a ultima vez que o estaríamos vendo .
Próximo as três da tarde quando encerramos os atendimentos ,antes de partir , as responsáveis pelo orfanato se preocuparam em nos recompensar pelo trabalho e amavelmente nos trouxeram umas caixinhas de isopor com arroz misturado a um tipo de pimenta temperado com canela , pedaços de banana frita e um pedaço de carne que acredito era de carneiro . Me senti constrangido com aquele banquete frente aquelas crianças humildes que também tinham almoço ,mas não queria desapontar as senhoras que com certeza não mediram esforços para nos agradar e confesso que comi com uma mescla de culpa e vergonha .Enquanto comia me dei conta que o tempo havia passado rapidamente e envolvido com a dinâmica do atendimento não tinha aproveitado um tempo a sós com as crianças .Rapidamente tratei de engolir a comida e antes mesmo de terminar levantei e pedi para reuni-las que queria tirar algumas fotos . Foi com certeza o momento mais emocionante do dia , se aproximaram e quando dei por mim estava rodeado de crianças que me tocavam o cabelo , puxavam minha barba e estivemos algum tempo ali juntos.Quando terminou discretamente sai da barraca ,procurei um canto tranqüilo e chorei.
Hoje foi um dia impressionante .
Saímos literalmente numa jaula, armada na carroceria de uma caminhonete que nos levou por cerca de 30 minutos pelas ruas da cidade o que já causa uma grande impressão pelo estado de destruição em que se encontra , é impactante a quantidade de escombros que existe , o transito caótico ,a infra estrutura precária, o acumulo de lixo e plásticos nas ruas e esgotos , a miséria da população, a quantidade de crianças ,a super povoação .Também é notável nas calçadas a quantidade de pessoas vendendo produtos quase sempre importados devido a falta de industrias no pais, a impressão que se tem é que a cidade é um grande mercado negro em meio a escombros.
Éramos 3 médicos brasileiros ,1 chileno,2 cubanos ,1 haitiano que ajudava na tradução , e os 2 companheiros de epidemiologia que levavam suas bazucas de fumaça para eliminar vetores. O destino era um acampamento onde se encontravam crianças órfãs . Chegamos ,preparamos os materiais e medicamentos ,tirei algumas fotos do local e antes de iniciar a jornada o Psiquiatra Dr. Francisco ,uma pessoa admirável pela serenidade e inteligência , que tem como função na missão cuidar da saúde mental dos demais profissionais que aqui atuamos ,numa de suas raras saídas a campo -para não colocar em risco sua própria saúde mental- junto com algumas responsáveis pelo orfanato reuniu as crianças para ler um conto em Kreól (dialeto local) e entoarem cantos locais onde todos nos divertimos e nos movemos com a energia do momento. O olhar e o sorriso daquelas crianças era algo muito marcante ,uma mistura de profunda tristeza com a inocência e fragilidade das crianças que nos comoveu profundamente. Mas demos inicio a jornada de trabalho, o calor era muito intenso desde cedo , dentro de uma barraca grande ,branca ,que tinha um cartaz na entrada “doado pela Suíça”, engraçado fazer propaganda do que se doa ,pero Bueno....Em alguns minutos de iniciado o trabalho dezenas de pessoas se amontoavam para receber atendimento. A tradução a cargo da companheira haitiana era insuficiente para os 4 médicos e tínhamos que tratar de comunicarmos com algumas poucas palavras em Kreól que havíamos aprendido ,misturado com algo de francês ,um pouco de mímica , alguns pacientes que arrastavam inglês ou espanhol também facilitava a comunicação.
Já pelo meio dia uma pausa para tomar um copo de suco e algumas bolachas que havíamos trazido do acampamento ,quando sentados na sombra de uma arvore ao nosso lado se encontravam dois homens sentados num colchonete no chão onde dormia uma criança de menos de 1 ano , um deles nos falou algo em espanhol ,imediatamente o convidei para nos ajudar com o idioma ele respondeu que sim e após lancharmos e conversar um pouco o chamei novamente e ele de uma forma um pouco fria me disse que iria depois. Segui o trabalho um pouco decepcionado porque senti que o homem estava arrependido do compromisso , quando para minha surpresa após alguns minutos aparece bem vestido e arrumado , sorridente e disposto a cooperar sem pedir nada em troca. Depois disso pude junto ao novo amigo tradutor agilizar o trabalho e atender praticamente o dobro de pacientes que poderia ter feito estando só .
Ao final o companheiro empolgado queria saber se regressaríamos no dia seguinte mas infelizmente não controlávamos esta informação , pensei em dizer a ele que fosse ao acampamento pela manha para acompanhar nosso grupo mas devido a distancia e a dificuldade com o transporte me dei conta que talvez fosse a ultima vez que o estaríamos vendo .
Próximo as três da tarde quando encerramos os atendimentos ,antes de partir , as responsáveis pelo orfanato se preocuparam em nos recompensar pelo trabalho e amavelmente nos trouxeram umas caixinhas de isopor com arroz misturado a um tipo de pimenta temperado com canela , pedaços de banana frita e um pedaço de carne que acredito era de carneiro . Me senti constrangido com aquele banquete frente aquelas crianças humildes que também tinham almoço ,mas não queria desapontar as senhoras que com certeza não mediram esforços para nos agradar e confesso que comi com uma mescla de culpa e vergonha .Enquanto comia me dei conta que o tempo havia passado rapidamente e envolvido com a dinâmica do atendimento não tinha aproveitado um tempo a sós com as crianças .Rapidamente tratei de engolir a comida e antes mesmo de terminar levantei e pedi para reuni-las que queria tirar algumas fotos . Foi com certeza o momento mais emocionante do dia , se aproximaram e quando dei por mim estava rodeado de crianças que me tocavam o cabelo , puxavam minha barba e estivemos algum tempo ali juntos.Quando terminou discretamente sai da barraca ,procurei um canto tranqüilo e chorei.
HAITI- diario de bordo 1
Neste momento me encontro no Haiti e tratarei de postar alguns trechos de meu diário de bordo para que os amigos possam acompanhar um pouco do nosso trabalho neste país. Nos ultimos dois meses temos ouvido muito sobre Haiti, após o terremoto de 12 de janeiro que deixou um rastro imenso de destruição e dizimou cerca de 300 mil vidas num país já devastado pela miséria .
OBS: Quero pedir desculpas de antemão pelo português mal escrito e por não ter tempo de trabalhar melhor as palavras para que tenham ritmo e harmonia mais suave aos olhos.
28/02 - 04:43 AM
Chegamos a Havana terça feira (23/02). Seis brasileiros de vários estados que nos encontramos em São Paulo para seguir rumo Havana (Cuba) ,via Caracas (Venezuela) , onde nos encontraríamos com mais duas companheiras que vinham via Buenos Aires, com o objetivo de integrar o contingente Henry Reeve de apoio a Brigada Médica Cubana no Haiti. A viagem foi bastante descontraída apesar de cansativa pelas varias horas de espera em Caracas. O retorno a Havana foi um momento mágico , tive a sensação de que nunca havia saído de lá . Passear por suas ruas ao som de Salsa ,tomando um bom Havana Club e rever velhos amigos foi uma experiência rejuvenescedora.
Durante a semana em Havana recebemos orientações sobre a missão que nos aguardava além de cumprir com as questões burocráticas e tomar varias vacinas contra enfermidades infecciosas.
Agora no aeroporto aguardando o embarque para Port-au-Prince , bastante cansado , preparando a mente para o inesperado.
07:10 AM
Chegamos a Santiago de Cuba para uma parada de abastecimento . Todos exaustos ,dormindo pelos corredores ,devemos aguardar aproximadamente uma hora e meia para a partida até Porto Príncipe.
Em CNN estão passando noticias sobre o terremoto de 8.8 graus na escala Richter ocorrido no Chile ontem. Nos acompanham amigos chilenos notavelmente angustiados pela falta de informações sobre familiares .Seguem destino para ajudar vitimas tão distantes de um terremoto quando em seus próprios lares seus familiares são vitimas do mesmo problema. A vida nos prega peças duras.
23:45
No avião um oceano de sensações percorria meu corpo. A angustia frente ao desconhecido , a ansiedade frente ao perigo . Recordo quando eu e Pedro conversávamos e riamos sobre a reação das pessoas ao nos ouvir dizer que viríamos ao Haiti, e naquele momento surge a voz do comandante dizendo que em 10 minutos estaríamos pousando em Porto Príncipe.O inevitável frio na barriga surge e milhares de pensamentos giram na mente , avistamos terra e começaram a surgir dezenas de acampamentos azuis em meio a uma paisagem cinza , envelhecida e destruída pela miséria e pelo terremoto, aviões ,tanques ,vários helicópteros e enfim tocamos solo haitiano.
Ao descer fomos recebidos pelo pessoal cubano e arredor notava se uma intensa movimentação de maquinas , contêineres, soldados yankees ,pessoal da ONU, e ali mesmo na pista recebemos as boas vindas e primeiras orientações sobre a situação .Nos disseram que seriamos levados a um acampamento chamado Carrefour situado no epicentro do sismo e que as condições eram delicadas ,que tínhamos problema com a água , a segurança no país era frágil e deveríamos estar psicologicamente preparados para o que viria .
O que senti no caminho do aeroporto até o acampamento foi que estava chegando no inferno. Tanta miséria e destruição que pensava qual pecado merecia tamanho castigo e pude ver de forma bem clara o peso histórico da exploração sofrida pelas antigas colônias que tiveram suas riquezas saqueadas durante séculos para financiar o desenvolvimento dos países chamados de primeiro mundo que hoje desfrutam das benesses da educação , saúde , segurança e riqueza ao custo de milhões de vidas que desde a escravidão sofrem do mal do esquecimento e preconceito e que agora tem como tempero um terremoto que matou quase 300 mil pessoas.
O Haiti surgiu de uma rebelião de escravos ,realizou uma das poucas verdadeiras revoluções da historia onde ocorrem mudanças rápidas ,radicais e violentas nas esferas política ,econômica , social e cultural e foi a primeira colônia em conseguir a independência na America Latina. Estes feitos da que foi conhecida como a “Pérola do Caribe” custaram caro e hoje repousam num canto escuro da história . Em meados do século 18 era a colônia que mais riqueza gerava para a metrópole em todo o mundo e como recompensa é hoje o país mais pobre de toda América .
Contrastes e paradoxos que somente quando vistos de frente nos permite compreender a complexidade da condição humana e os limites a que está submetida nossa espécie.
OBS: Quero pedir desculpas de antemão pelo português mal escrito e por não ter tempo de trabalhar melhor as palavras para que tenham ritmo e harmonia mais suave aos olhos.
28/02 - 04:43 AM
Chegamos a Havana terça feira (23/02). Seis brasileiros de vários estados que nos encontramos em São Paulo para seguir rumo Havana (Cuba) ,via Caracas (Venezuela) , onde nos encontraríamos com mais duas companheiras que vinham via Buenos Aires, com o objetivo de integrar o contingente Henry Reeve de apoio a Brigada Médica Cubana no Haiti. A viagem foi bastante descontraída apesar de cansativa pelas varias horas de espera em Caracas. O retorno a Havana foi um momento mágico , tive a sensação de que nunca havia saído de lá . Passear por suas ruas ao som de Salsa ,tomando um bom Havana Club e rever velhos amigos foi uma experiência rejuvenescedora.
Durante a semana em Havana recebemos orientações sobre a missão que nos aguardava além de cumprir com as questões burocráticas e tomar varias vacinas contra enfermidades infecciosas.
Agora no aeroporto aguardando o embarque para Port-au-Prince , bastante cansado , preparando a mente para o inesperado.
07:10 AM
Chegamos a Santiago de Cuba para uma parada de abastecimento . Todos exaustos ,dormindo pelos corredores ,devemos aguardar aproximadamente uma hora e meia para a partida até Porto Príncipe.
Em CNN estão passando noticias sobre o terremoto de 8.8 graus na escala Richter ocorrido no Chile ontem. Nos acompanham amigos chilenos notavelmente angustiados pela falta de informações sobre familiares .Seguem destino para ajudar vitimas tão distantes de um terremoto quando em seus próprios lares seus familiares são vitimas do mesmo problema. A vida nos prega peças duras.
23:45
No avião um oceano de sensações percorria meu corpo. A angustia frente ao desconhecido , a ansiedade frente ao perigo . Recordo quando eu e Pedro conversávamos e riamos sobre a reação das pessoas ao nos ouvir dizer que viríamos ao Haiti, e naquele momento surge a voz do comandante dizendo que em 10 minutos estaríamos pousando em Porto Príncipe.O inevitável frio na barriga surge e milhares de pensamentos giram na mente , avistamos terra e começaram a surgir dezenas de acampamentos azuis em meio a uma paisagem cinza , envelhecida e destruída pela miséria e pelo terremoto, aviões ,tanques ,vários helicópteros e enfim tocamos solo haitiano.
Ao descer fomos recebidos pelo pessoal cubano e arredor notava se uma intensa movimentação de maquinas , contêineres, soldados yankees ,pessoal da ONU, e ali mesmo na pista recebemos as boas vindas e primeiras orientações sobre a situação .Nos disseram que seriamos levados a um acampamento chamado Carrefour situado no epicentro do sismo e que as condições eram delicadas ,que tínhamos problema com a água , a segurança no país era frágil e deveríamos estar psicologicamente preparados para o que viria .
O que senti no caminho do aeroporto até o acampamento foi que estava chegando no inferno. Tanta miséria e destruição que pensava qual pecado merecia tamanho castigo e pude ver de forma bem clara o peso histórico da exploração sofrida pelas antigas colônias que tiveram suas riquezas saqueadas durante séculos para financiar o desenvolvimento dos países chamados de primeiro mundo que hoje desfrutam das benesses da educação , saúde , segurança e riqueza ao custo de milhões de vidas que desde a escravidão sofrem do mal do esquecimento e preconceito e que agora tem como tempero um terremoto que matou quase 300 mil pessoas.
O Haiti surgiu de uma rebelião de escravos ,realizou uma das poucas verdadeiras revoluções da historia onde ocorrem mudanças rápidas ,radicais e violentas nas esferas política ,econômica , social e cultural e foi a primeira colônia em conseguir a independência na America Latina. Estes feitos da que foi conhecida como a “Pérola do Caribe” custaram caro e hoje repousam num canto escuro da história . Em meados do século 18 era a colônia que mais riqueza gerava para a metrópole em todo o mundo e como recompensa é hoje o país mais pobre de toda América .
Contrastes e paradoxos que somente quando vistos de frente nos permite compreender a complexidade da condição humana e os limites a que está submetida nossa espécie.
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